sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Comunidades Quilombolas e biodiversidade no Maranhão

  


As comunidades quilombolas de São Miguel, Rosário, Cariondo, Itapecuru, Bom Jesus e Matinha situam-se em regiões geográficas distintas do estado do Maranhão, mas apresentam dificuldades semelhantes, principalmente, com relação à regularização fundiária e acesso aos recursos da biodiversidade. A biodiversidade passou a ser aclamada, reivindicada e declamada como se fosse uma deusa da providência. As pessoas desconhecem que em muitos casos a biodiversidade se encontra debaixo de fogo cerrado da especulação imobiliária, do agronegócio e de grandes obras de infraestrutura. Nesse fogo cerrado, a biodiversidade se afasta das vistas das pessoas que a usam, que a promovem e que dela tiram seu sustento.
A biodiversidade, então, ou vira uma relíquia, para ser apreciada, ou vira um objeto, para ser estudado, ou vira uma lembrança, para ser esquecida. Com relação à comunidade de São Miguel, a biodiversidade se tornou uma lembrança não de bons tempos do passado e sim a lembrança que um dia ela esteve ao alcance das mãos e que, pelas própria  mãos das pessoas da comunidade, perdem-se vários aspectos da biodiversidade no seu território. Alguns moradores de São Miguel derrubam o bacuri verde. Outros moradores cortam o bacurizeiro para vendê-lo às serrarias. Roçar e queimar os brejos em São Miguel ainda é uma prática comum, o que afeta a preservação dos recursos hídricos e a produção de juçara e de buriti.
Antes de culpar os agricultores familiares em São Miguel, deve-se entender como a falta de assistência técnica e de capacitação em temáticas socioambientais interage com a urgência desses agricultores em obter rendimentos para sua sobrevivência. O seu Manoel comenta o dia em que pediu a visita de técnicos do município de Rosário para que eles opinassem a respeito de uma praga que atacava o seu plantio de melancia. Os técnicos não se deslocaram, e ele se virou com a borrifação de agrotóxico, que resultou em perda e prejuízo para ele e para a comunidade.
Quanto mais a comunidade se afasta da biodiversidade, mais ela se afasta do interior do seu território e do seu histórico. As mulheres de Cariondo cultivam, em seus quintais, ervas medicinais e verduras. Quando se pergunta sobre o babaçu, elas respondem que não quebram mais porque cansa muito e que o babaçual próximo à comunidade não se torna adulto em razão da retirada de palha para que algumas pessoas a vendam. Ao ouvir as mulheres de Cariondo sobre o babaçual, a pessoa fica com aquela impressão de que não existe mais biodiversidade na comunidade. Se a biodiversidade abandonou Cariondo como as mulheres expuseram, qual é o diferencial da comunidade?
As pessoas se conformaram com os condicionamentos impostos pelas fazendas ao redor, que tomaram seu território, e conformaram-se com a modernidade que oferece vários produtos para o consumo. O óleo de soja pode ser ruim, mas vem embalado, pronto para ser despejado na frigideira. Para obter o azeite de babaçu tem que quebrar o coco. Na cabeça das mulheres reside a lembrança que o coco não tinha valor monetário. E pelo visto ainda não tem. E qual é a importância de quebrar coco? As experiências do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco babaçu por todo o Maranhão quebraram muitos preconceitos ao desenvolverem projetos que utilizam o babaçu para fins de indústria de cosméticos e para fins de segurança alimentar. Quanto à existência ou não de biodiversidade em Cariondo, as mulheres se recordaram de babaçuais que estão dentro do território e que, por não terem uso, acabaram sendo esquecidas.
O acesso aos recursos da biodiversidade em Matinha sofreu um revés com o veto do prefeito Beto Pixuta ao projeto Babaçu Livre apresentado pelas comunidades quilombolas e aprovado pela câmara de vereadores. Dona Rosário, dirigente do MIQCB e liderança da comunidade Bom Jesus, cobrou explicações ao prefeito, que justificou o seu veto dizendo que não queria criar inimizade nem com os fazendeiros e nem com as quebradeiras. A alegação oficial do prefeito foi que não houve audiência pública. A resposta de Dona Rosário foi “então marque a audiência se for o caso”.
A área de Bom Jesus, comunidade de Dona Rosário, estende-se por mais de quinze mil hectares; contudo, as famílias são impedidas por cercas de catar o coco babaçu, o buriti e o bacuri na floresta e de pescar nos campos. O mais recente conflito se verificou com um proprietário que cercou uma área de babaçual em frente à comunidade, queimou dentro e botou gado. Só não cercou a igreja porque a comunidade impediu.

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Quem sou eu

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Médico Clínico e Sanitarista - Doutor em Saúde Pública - Coronel Reformado do Quadro de Dentistas do Exército. Autor dos livros "Sistemismo Ecológico Cibernético", "Sistemas, Ambiente e Mecanismos de Controle" e da Tese de Livre-Docência: "Profilaxia dos Acidentes de Trânsito" - Professor Adjunto IV da Faculdade de Medicina (UFF) - Disciplinas: Epidemiologia, Saúde Comunitária e Sistemas de Saúde. Professor Titular de Metodologia da Pesquisa Científica - Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO). Presidete do Diretório Acadêmico da Faculdade Fluminense de Odontologia. Fundador do PDT, ao lado de Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Carlos Lupi, Wilson Fadul, Maria José Latgé, Eduardo Azeredo Costa, Alceu Colares, Trajano Ribeiro, Eduardo Chuy, Rosalda Paim e outros. Ex-Membro do Diretório Regional do PDT/RJ. Fundador do Movimento Verde do PDT/RJ. Foi Diretor-Geral do Departamento Geral de Higiene e Vigilância Sanitária, da Secretaria de Estado de Saúde e Higiene/RJ, durante todo o primeiro mandato do Governador Brizola.